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Marina Colasanti: A Despedida de uma Gigante da Literatura Brasileira

Foto do escritor: Raul SilvaRaul Silva

Da Redação do Radar Literário


A literatura brasileira perdeu uma de suas vozes mais poéticas, contundentes e atemporais. Marina Colasanti, escritora, jornalista, ilustradora e tradutora, morreu na madrugada desta terça-feira, 28 de janeiro de 2025, aos 87 anos, em sua casa no bairro de Ipanema, no Rio de Janeiro. A notícia, confirmada por familiares, amigos e pelo Ministério da Cultura, enlutou o país e o cenário literário internacional, que hoje se despede de uma autora cuja obra transcendeu gerações e fronteiras .



Nascida em 26 de setembro de 1937 em Asmara, capital da Eritreia, Marina carregou consigo a riqueza de uma infância marcada por deslocamentos geográficos e culturais. Filha de italianos, viveu na Líbia e na Itália antes de se estabelecer no Brasil em 1948, fugindo das cicatrizes da Segunda Guerra Mundial. A família fixou residência no Rio de Janeiro, mais precisamente no Parque Lage — local que se tornaria emblemático não apenas por abrigar sua história familiar, mas também por ser o palco de seu velório, realizado nesta quarta-feira (29), das 9h às 12h, em cerimônia restrita a parentes e amigos próximos .


Sua trajetória literária, iniciada em 1968 com o livro *Eu Sozinha*, foi um marco para a literatura feminista no Brasil. Composto por crônicas autobiográficas, a obra colocou a solidão feminina e as complexidades da condição da mulher em evidência, em pleno período de endurecimento da ditadura militar. Millôr Fernandes, à época, já reconhecia a “complexidade de uma formação intelectual quase absurda” em suas palavras . Ao longo de mais de cinco décadas, Marina publicou mais de 70 obras, abrangendo poesia, contos, crônicas, ensaios e literatura infantojuvenil, sempre com uma sensibilidade que unia o lírico ao político, o fantástico ao real .


Sua produção para crianças e jovens revolucionou o gênero no país. Rejeitando as narrativas moralizantes e comerciais, Colasanti mergulhou nos contos de fadas clássicos — dos irmãos Grimm a Perrault — para criar histórias que respeitavam a inteligência e a imaginação infantis. *Uma Ideia Toda Azul* (1978) e *Doze Reis e a Moça no Labirinto do Vento* (1982) são exemplos de como transformou elementos tradicionais em universos repletos de ambiguidades e profundidade psicológica, dialogando tanto com pequenos leitores quanto com adultos .


Além da escrita, Marina era uma artista multifacetada. Formada em Belas Artes, ilustrou muitos de seus próprios livros, como *A Menina Arco-Íris* (1984), e manteve uma carreira paralela no jornalismo. No *Jornal do Brasil*, atuou como redatora, cronista, editora do Caderno Infantil e até como subeditora do Suplemento Literário. Sua passagem pela Editora Abril, onde editou a revista *Nova*, e suas colunas em veículos como *Cláudia* e *Estado de Minas* consolidaram sua voz como pensadora de temas como feminismo, arte e desigualdade social .


Os reconhecimentos foram numerosos: nove prêmios Jabuti, mais de 20 troféus da FNLIJ (Fundação Nacional do Livro Infantil e Juvenil) e, em 2023, o cobiçado Prêmio Machado de Assis, concedido pela Academia Brasileira de Letras (ABL) em homenagem ao conjunto de sua obra. “Todos os meus livros continuam valendo”, disse ela na ocasião, surpresa, mas consciente de seu legado . Internacionalmente, foi finalista do Prêmio Hans Christian Andersen — considerado o Nobel da literatura infantojuvenil — e vencedora de honrarias como o Norma de Literatura Infantil e o Iberoamericano SM .


A vida pessoal de Marina também foi marcada por desafios. Casada desde 1971 com o poeta Affonso Romano de Sant’Anna, enfrentou nos últimos anos o agravamento do Alzheimer do marido e a morte precoce da filha Fabiana, vítima de câncer em 2021. A pandemia de Covid-19 a isolou ainda mais, conforme relatam amigos, mas não diminuiu sua produção literária. Em 2021, publicou *Vozes de Batalha*, livro que revisitou suas memórias afetivas do Parque Lage e da relação com a tia-avó, a cantora lírica Gabriela Bezanzoni .


O Ministério da Cultura, em nota oficial, destacou sua “sensibilidade e inovação”, enquanto o presidente Luiz Inácio Lula da Silva a chamou de “múltipla artista”, cuja obra “cativou diferentes gerações”. A ABL, por sua vez, lamentou a perda de uma “escritora brilhante” cujo legado “encanta crianças e adultos” .


Marina Colasanti deixa a filha Alessandra, atriz e diretora, o neto Nuno e uma legião de leitores que encontraram em suas palavras um refúgio para a alma. Sua literatura, como ela mesma definiu, nunca buscou ensinar lições, mas sim “escrever a alma humana” — missão cumprida com maestria. Restam os livros, as ilustrações, as crônicas e a certeza de que, como disse a consultora da Unesco Silvia Castrillón, suas histórias “dirigem-se à alma humana”, atravessando tempo e espaço .

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