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RESENHA: Retorno a Brideshead de Evelyn Waugh

Foto do escritor: Raul SilvaRaul Silva

Atualizado: 29 de dez. de 2024

Esse foi o primeiro e único livro de Evelyn Waugh que li, pelo menos até o presente momento, contudo com certeza lerei outros assim que possível. Como todos os novos livros de autores desconhecidos que leio, decidi lê-lo como “olhos limpos”, no sentido de que não busquei por nenhuma informação sobre a obra ou o autor antes ou durante a leitura do livro, apenas após ler todo texto.


Gosto muito de ter uma experiência de leitura “sem influências” (se é que isso é possível, afinal outras leituras estão sempre conosco), principalmente para que possa de fato ter o impacto original da obra, acho que é a minha versão “no spoilers” para livros, algo que hoje em dia é cada vez mais difícil de se conseguir dada a grande quantidade de informações que estão a nossa disposição a um “clic” de distância. Assim, só agora, alguns meses depois de terminar a leitura, pesquisar e ler tudo o que podia sobre seu autor e sobre o contexto da obra, resolvi compartilhar com vocês um pouco em relação a leitura de Retorno a Brideshead.

Mas, afinal o que dizer sobre esse livro? Uma obra prima da literatura? Você pode me perguntar. Sim, sem dúvida, seria a minha resposta. De fato, fico admirado com a sutileza de Waugh ao tratar de temas tão sensíveis, ao mesmo tempo em que usa de uma ironia muitas vezes dura para criticar toda um estilo de vida. É o típico: “no meu tempo era melhor”.

Religiosidade, redenção, sexualidade reprimida e decadência são provavelmente os temas mais recorrentes na obra, algo que vai de contra a personalidade um tanto forte, para dizer o mínimo, do autor. Curiosamente é perceptível que o autor não se sente tão a vontade com algumas passagens de seu próprio livro, quase como se tentasse suprimir algo em sua própria personalidade. Mais tarde lendo a respeito de Waugh acabei por descobri que estava certo em ter essa sensação, afinal estamos falando de um romance autobiográfico, de certa forma. Analisar o que os críticos falam a respeito das inspirações de Evelyn Waugh para escrever a história é como montar um quebra-cabeças da obra que nos faz entender a motivação por trás de cada personagem.

Além disso, é um livro escrito num dos períodos mais terríveis do século XX, que busca resgatar algo perdido há muito tempo, algo perdido em um momento de conflito anterior. Pelo menos a impressão que se tem é essa. O que não era para menos se observarmos o contexto do autor, da obra e da época em que foi escrita e publicada originalmente. Nela temos Charles Ryder, nosso personagem principal, que transmite ao leitor logo nas primeiras páginas essa sensação de que ele perdeu algo, não algo físico, mas sim um sentimento, uma crença talvez, que ele reencontra, em meio a memórias nostálgicas, ao retornar à propriedade de Brideshead, que por sua vez também perdeu seu esplendor e brilho devido a guerra e acima de tudo a decadência, moral, social e financeira da família Flyte.

Contudo, não estamos falando de um livro cheio de amargura e mágoa cheio de passagens chatas e monótonas. Bem, elas estão lá, aparecem aqui e ali na história, mas, no apanhado geral, o livro é ótimo e cheio de passagens emblemáticas e bem-humoradas. No centro da trama está a religiosidade como estilo de vida da alta sociedade britânica, da qual Waugh fez parte. É uma sociedade que está lentamente caindo em desgraça devido a inúmeros fatores políticos, sociais e econômicos,  um aspecto que o autor amava e odiava ao mesmo tempo ao longo da vida.

Entrementes, esse aspecto da também serve como base da personalidade das personagens. De certa forma, é uma história de redenção e reencontro com a fé, apesar dos erros e pecados cometidos por todos os envolvidos. Cada uma das personagens, a sua maneira, busca essa redenção e apesar de o personagem de Charles não ser cristão ou muito menos acreditar na existência de Deus, ele mesmo acaba meio que indo nessa direção no final, graças a influência da família Flyte em sua vida.

Outros temas também são tratados na história como alcoolismo, ascensão social, política, homosexualidade (ainda que de forma bastante indireta na relação entre Charles e Sebastian) e a própria Guerra em si, ou pelo menos os sentimentos conflitantes que a sombra de uma 2ª Guerra pode causar em pessoas que ainda mal tinham se recuperado do conflito anterior.

Em suma, indico bastante a história principalmente pelo fato de ela ser envolvente e inteligentemente escrita por Waugh que usa de uma ironia e o humor obscuros para retratar certos aspectos de uma nova geração moderna que está aos poucos substituindo essa elite aristocrática do início do século XX, que ele tanto admirava e odiava, ao mesmo tempo. Mas, acima de tudo, por ser uma história que nos traz uma visão única daquele período e do que acontecia com as pessoas na Inglaterra diante da iminência da 2ª Guerra Mundial.

Raul G. M. Silva

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